sábado, 28 de abril de 2012

O "Regente" e eu - Depoimento por ocasião dos seus 80 anos

Eram outros tempos. Pacatos, modorrentos. Com exceção da Rua Floriano Peixoto e Rua Paula Souza, esta no trecho entre a Praça da Matriz e o Largo do Bom Jesus, todas as ruas tinham mão dupla, com estacionamento liberado. Carroças entregavam leite e pão pela manhã na porta das casas e aos domingos após a missa, o burburinho das compras no mercado e depois do almoço, toda a cidade se recolhia para uma soneca e não havia ninguém nas ruas até por volta das 3 horas da tarde, quando a Associação Atlética abria e as piscinas eram frequentadas.
Havia em Itu dois grupos primários públicos: o “Cesário Mota” e o “Convenção”. Mas nós não os frequentávamos: éramos alunos do Curso Primário Anexo ao Instituto de Educação “Regente Feijó”. Com orgulho e pompa, usávamos o uniforme de camisa branca e calções azuis marinha, com as letras RF bordadas no bolso e embaixo delas tantos pontos quanto fosse o ano em que estávamos.
Chegávamos a pé, sós, entrávamos pelos portões abertos, sem qualquer controle (não era necessário) e nos concentrávamos no adro entre as classes, que na frente tinham uma galeria que se interligava com um arco coberto que também levava aos banheiros. Enquanto esperávamos, conversávamos sobre o dia anterior, os seriados na televisão, cuja programação começava com o Pim Pam Pum às 17 horas e era complementado por filmes de caubóis e heróis mascarados. Tocava o sinal, a professora se postava na porta e uma fila dupla em cada classe era formada, em ordem pré-estabelecida para se ocupar as carteiras sem confusão.
Eram apenas algumas classes comuns e uma “classe rural” que reunia alunos dos três primeiros anos, geralmente repetentes. A razão de suas existências era ser laboratório prático para os alunos do Curso Normal, a principal razão de ser do Instituto.
As meninas, no intervalo, ficavam apartadas - Walkiria, Leila, Eliana, Ana Maria, Carmem Lucia, Renata Del Campo, Maria Lucia e os meninos refunidos em "tropas" corriam de uma lado para outro, sob o comando do "Gordo" ou do Walter (Feldman).
Existiam ritos de passagem dos quais nos orgulhávamos: a entrega do primeiro livro, quando no Salão Nobre, diante de nossas famílias e colegas éramos chamados a subir e se aproximar de uma mesa onde os livros estavam com uma vela apagada, então o livro era entregue pomposamente pela professora e acendíamos a vela em outra que estava sobre a mesa, “nos tirando das trevas da ignorância”.
Havia uma prova de caligrafia, feita com penas de aço que se mergulhavam em tinteiros, se aprovados, havia uma cerimônia de entrega da “primeira caneta” que guardo até hoje: uma Johann Faber Estudante Verde pena média, tão usada que meu nome, gravada pelo joalheiro Machadinho gastou.
O jogo de futebol de salão entre o 3º e o 4º ano, geralmente ganho pelo 4º, mas na nossa turma, com Décinho (Salvadori) Cícero (Gatti Marinho), Gustavo (Sproesser), Hamilton (luiz Guido) e outros foi uma lavada contra o 4º ano, fato que se repetiu no ano seguinte, mas contra o 3º ano!
Todo dia as aulas começavam com teste oral da matéria dada no dia anterior (ponto), aos sábados, sabatinas, no final do mês, provas e no final do ano, exame final, escrito e oral, este último com o “ponto” sorteado pelo Diretor ou pelo Inspetor de Ensino de um jarro, onde repousavam papelotes dobrados. Não importava as notas anteriores, essa última nota é que valia para passar de ano.
Passado os quatro anos, recebíamos um Diploma, dos dois possíveis que eram na época: além dele, o profissional, dado a um Mestre de Ofícios, Professor ou Profissional Liberal. E tínhamos mais uma etapa pela frente: o Exame de Admissão. Era o caminho para acesso ao Ginásio, curso com mais quatro anos e que visava formar o aluno para desenvolver uma atividade laborativa na indústria, no comércio, nos serviços. O regime de aulas era diferente, não apenas um professor, mas um professor por matéria e não havia “recreio”, mas intervalos de 10 minutos entre as aulas. Nestes intervalos, construíamos nossas redes sociais, combinando as idas a cinemas, jogos de futebol, passeios de bicicleta; às vezes, já que os portões eram abertos, matávamos uma ou outra aula para ir à Praça da Matriz, comprar uma revista em quadrinhos e ler. Mas havia a obrigação de voltar para a última aula, senão não se pegava a “caderneta”, onde era carimbada a presença diária e ficava retida com os inspetores de alunos. Nas “cadernetas” também eram registradas as notas, as suspensões, as advertências, que deveriam voltar com a assinatura de um dos pais. Durante o ginásio, a grande novidade: a construção de um anexo e de uma nova quadra de esportes. No intervalo sempre havia uma novidade: escavação das fundações, o funcionamento da betoneira, tudo muito diferente dos métodos de construção do resto da cidade. Nosso uniforme era caqui, a maioria ficava com ar de bonecos de doce de leite.
A formatura foi a primeira solenidade maior de nossa vida: missa solene para os católicos, ternos e vestidos formais, um calor senegalês no Salão Nobre, mas todas as famílias lá, orgulhosos, e depois, no fim de semana, um baile no Ituano Club.
Entretanto, nem tudo era pacífico: vivíamos em uma ditadura militar e a partir daquele ano (1968) a repressão recrudesceu. Havia movimentação de militares em todas as cidades, e Itu, sendo sede de um regimento, não foi exceção. Os cursos colegiais, que até então eram divididos em Científico, Clássico e Normal passou a ter dois anos básicos e um ano específico – no caso do Normal, dois. A qualidade do ensino baixou significamente, não conseguimos completar as matérias necessárias para o vestibular e tivemos que recorrer aos cursinhos depois de formados. No segundo semestre do último ano do Colegial me transferi para o noturno com alguns colegas para poder fazer o curso preparatório em Campinas, e aí começou o afastamento dos colegas. Depois, um ano de cursinho em São Paulo, a faculdade em Santos, o trabalho e agora, graças à Internet, o esforço de colegas como Benedito Edson Marangoni, Márcia Bérgamo da Silva e outros, que atenderam o apelo do Eduardo de Arruda Passos que vinha de Portugal e queria rever os colegas, nos reencontramos.
Mas uma coisa é certa: o Instituto de Educação “Regente Feijó” foi e sempre será a mãe nutridora que permitiu meu desenvolvimento cultural, social e moral e jamais me esquecerei disto.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O Arquiteto João Walter Toscano



Entrevista copiado do site ww.entre.arq.br:


Entrevista com João Walter Toscano


No chuvoso final de tarde do dia 23 de abril de 2009, João Walter Toscano abriu as portas do seu escritório, na Vila Madalena, São Paulo, para uma conversa que ele definiu como um bate-papo de botequim. Perguntamos pouco, ouvimos mais. Ouvimos as histórias de vida de um senhor que vê e participa ativamente da cena arquitetônica paulista há mais de 50 anos. Toscano, natural de Itu, fez a graduação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi professor doutor do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto. Suas obras mais conhecidas são a Faculdade de Itu e Estação Largo Treze.


ENTRE - Como o senhor decidiu ser arquiteto?


TOSCANO - Eu gostava de desenhar. Sempre ia para a rua fazer desenhos. Um dia, um amigo do meu cunhado, que fazia engenharia no Mackenzie, sugeriu que eu deveria estudar lá. Respondi: “Não, eu gosto de Itu. Eu estou querendo desenhar melhor”. Ele disse: “Já que você desenha bem, poderia fazer arquitetura”. Lembro que eu perguntei: “O que é arquitetura?”. Ele respondeu “Olha, arquitetura é uma coisa que você não acredita: os alunos, lá no Mackenzie, põem umas aquarelas ao sol”. Eu fiquei fascinado com aquilo! O poder fazer desenhos me entusiasmou para a profissão de arquiteto. No fundo, é uma questão de criação, a vontade de fazer alguma coisa com liberdade, uma coisa diferente.


Quando vim para São Paulo, fui morar no porão de uma pensão com o meu irmão, que estudava química, pois eu não tinha dinheiro, nem meu pai podia sustentar dois filhos em São Paulo. Nesse porão, eu ficava admirando as pernas das moças, distraído, em vez de ficar estudando. Um dia, falei para ele que não podia ficar mais na pensão, pois eu tinha que fazer vestibular e lá não podia me concentrar. Em outro dia, ele só apareceu às dez da noite e me disse para pegar as coisas, porque íamos nos mudar! Ele arranjou um quarto onde poderíamos ficar, num palacete sustentado pela Cúria, na Avenida Higienópolis. Éramos quatro no quarto. Um deles era o Carlos Zara, casado com a Eva Wilma, que gostava de ficar cantando Billy Eckstine. Enfim, depois acabei entrando na FAU-USP, na minha primeira tentativa.


ENTRE - Vilanova Artigas foi seu professor na FAU-USP. Que influência ele teve na sua formação?


TOSCANO - Quando fui aluno do Artigas, ele era jovem, mas já conhecido. Ele era comunista, então, em vez de ficar dando aula normal, abria a cabeça dos alunos para o mundo. Ainda mais eu, que, quando vim de Itu, não sabia nem quem era o presidente da república! Comecei a ver e entender as coisas. Os alunos que aproveitaram as aulas do Artigas são os bons arquitetos de São Paulo.


O arquiteto que iniciou o que o grande Paulo Mendes da Rocha faz foi o Artigas. Quem devia ter ganhado o prêmio Pritzker era o Artigas. Por sua sensibilidade, eu me referiria ao Paulo como o Artigas apurado.


Além do Artigas, também fui aluno do Rino Levi, que era mais velho; do Abelardo de Souza; entre outros bons. Os professores eram pessoas de respeito, profissionais. Então, do ponto de vista de arte, de história, de técnica, tive uma formação realmente boa. Tínhamos muitas aulas práticas, muita discussão, muito convívio entre alunos, muita gente envolvida em política.


Era muito diferente de hoje, pois quando eu entrei na FAU-USP, na época ligada ainda à Escola Politécnica, havia 33 vagas por ano. A única outra escola de arquitetura da cidade era o Mackenzie. Não era essa loucura de hoje, quando se formam por ano 180 aqui, 200 ali. Aqui em São Paulo existem dez escolas de arquitetura. É por isso que ninguém sabe nada!


ENTRE - Fora da faculdade, o senhor citaria outro nome ou obra arquitetônica importante na sua formação?


TOSCANO - O arquiteto que sempre me entusiasmou foi o Reidy. Certo momento, percebi que minha arquitetura ficava meio parecida com a arquitetura dele.


ENTRE - Como foi o início da sua atuação profissional?


TOSCANO - Acho que um jeito de o arquiteto conquistar o caminho dentro da profissão e fazer coisas interessantes é através de concursos. O projeto Iate Clube de Londrina, que fiz com dois colegas da faculdade, Roberto Katinsky e Abrahão Sanovicz, foi o resultado de um concurso nacional de arquitetura que vencemos. No dia em que fomos receber o prêmio, havia alguns velhos milionários, donos de empresas de café, que disseram: “Os arquitetos não vieram!”. Nós passamos por eles e dissemos que nós éramos os arquitetos. Eles ficaram surpresos, pois ainda éramos moleques.


 Com isso, saiu no jornal de Itu que arquiteto ituano tinha ganhado concurso. Após ler essa notícia, o mestre de obras* das freiras ligou para mim, pedindo que eu fosse a Itu, porque as freiras queriam fazer uma faculdade, e ele nem sabia o que era faculdade. Lá fui eu falar com a freira responsável. Ela logo perguntou: “É o senhor quem vai fazer o nosso prédio?  Esse menino?”. Eu respondi a ela que não precisava se comprometer comigo, que eu poderia fazer um estudo. Provavelmente, ela só conhecia prédios neoclássicos, e eu fiz algo totalmente moderno. Em quinze dias, levei uma maquete e uns desenhos para mostrar o projeto a ela. Ela olhou e falou: “Gostei! O senhor constrói também?”. Eu nunca tinha construído na vida! Mas o mestre, que estava atrás dela, fez sinal para que eu respondesse que sim. Então falei: “Eu construo!”.


Assim, o edifício foi construído. A Faculdade de Filosofia de Itu tem todos os elementos que compunham a arquitetura moderna brasileira: o elemento vazado, a rampa, o pilotis, o brise. Fui um aluno que aprendeu a lição. Mas não copiei; é uma coisa original.


Faculdade de Filosofia de Itu
O Lourival Gomes Machado, que era representante do Brasil na UNESCO, junto com um grupo de intelectuais, foi para Itu ver a obra do Jesuíno do Monte Carmelo, um padre do século XVIII que pintou tetos da Igreja Matriz e telas. Eles foram recebidos pelas freiras da faculdade que projetei e que estava sendo construída. Durante a visita, uma freira perguntou:  “O doutor não quer ver a nossa faculdade?”. Como eles devem ter falado que não tinham tempo, ela insistiu e eles foram conhecer meu projeto. O Lourival olhou, ficou admirado e perguntou quem tinha feito o projeto. Falei que tinha sido eu. Ele falou que era muito interessante e perguntou se poderia mostrá-lo. Só mostrei os melhores ângulos. No dia seguinte, ele escreveu o artigo “Três notas sobre Itu” para o Estado de São Paulo. A maior parte do texto é sobre o Jesuíno do Monte Carmelo, mas há uma parte sobre a minha obra. O texto elogia o meu projeto e afirma: “uma tranquila confiança na criação limpa, bela, legítima, que a mais jovem geração de arquitetos brasileiros começa a dar ao seu País”.


Essa obra ficou tão conhecida que hoje está no Acervo Permanente do Centre Georges Pompidou, de Paris. Além dela, estão também nesse acervo os meus projetos do Balneário de Águas da Prata e da Estação Largo Treze.


Com o reconhecimento por Itu, o diretor da Faculdade de Assis foi ver esse projeto e pediu para que eu fizesse a Faculdade de Assis. Depois, veio a de Araraquara e todas pertencem à UNESP [Universidade Estadual Paulista] hoje. Vejam quantas obras vieram juntas porque fiz a primeira bem feita. Eu só tinha 26 anos quando fiz Itu. Em 1964, cinco anos depois de eu ter saído da FAU, a Acrópole, uma revista de arquitetura aqui de São Paulo, fez um número especial só sobre o meu trabalho.


ENTRE - O senhor conta muitas histórias: suas lembranças de Itu, sua vinda a São Paulo... O senhor diria que suas memórias influenciam seus projetos, tanto durante o seu fazer projetual quanto no resultado?


TOSCANO - A memória é que faz com que se produza alguma coisa. Não estou falando de uma memória limitada a determinadas coisas, pois a memória está ligada a sua vida. A minha memória, por exemplo, começa quando eu era um molequinho e passa pelo meu convívio com os colegas, por situações que eu vi, quando eu viajei, etc. Tudo isso é importante para que eu tenha o meu arquivo. Quando você está iniciando um projeto e vê um papel em branco, não começa no rabisco. Tem que pegar algumas amarrações. Uma das coisas importantes nesse começo é a memória. Veja só o exemplo de Le Corbusier: o livro “A Viagem do Oriente” mostra, através de comentários e desenhos, que ele viajou, viu, observou.


Isso deu a estrutura para ele ter um caminho. Essa estrutura tem muita ligação com a arquitetura do ocidente e do oriente.


Isso mostra que foi um sujeito que teve uma visão e uma formação muito ampla da história.


ENTRE - No sentido de algo que estruture o projeto, as características do lugar/terreno são importantes nesse momento?


TOSCANO - São fundamentais. Como disse o [Oscar] Niemeyer, quando fez a Sede do Partido Comunista, em Paris, ele viu um edifício curvo. Você deve ter um partido que, no fundo, está ligado a uma forma. Essa forma vem das experiências que você já teve, de o que está pesquisando, ou de o que gostaria de fazer. Posso até criar depois, mas antes eu peguei algo.


Então, normalmente, qual é o procedimento do arquiteto ao fazer um projeto? Primeiro, ele tem um programa básico, que já lhe dá condições de criar. Por exemplo, quando o cliente pede três salas juntas, o arquiteto, pela sua experiência,


pode sugerir um grande espaço único. Acrescenta-se a escolha de materiais, que podem ser os que estamos acostumados, ou os que ele viu e experimenta. Depois, tem o onde você vai colocar esse programa; quer dizer, o lugar. Louis Kahn diz que todo edifício deseja aquilo que ele quer ser. Isso significa que o edifício deve ter personalidade. Kahn diz que uma estação, antes de ser uma estação de trem, foi o caminho do trem. O caminho é a estação. Uma coisa deriva da outra, como consequência da continuidade que o espaço necessita.


Você olha a Estação Largo Treze e ela parece uma estação de trem. Nunca dirá que parece um clube. Logo, ao fazer um edifício, procure dar identidade a ele, como fiz no Largo Treze. Hoje, nada tem identidade, nem as pessoas.


O terreno e a paisagem do entorno também são importantes. Para isso, cito Lucio Costa, quando diz que há de se descobrir, na estrutura superficial do terreno, o caminho onde vai passar a comunidade. Então, quando olhamos o terreno e descobrimos arquitetura nele, nos apoiamos em eixos. Você começa a preferir o primeiro eixo, depois o cruzamento lhe dá outro eixo. Isso aparece nos croquis que vão delineando uma forma.


ENTRE - O senhor poderia explicar o projeto da estação Largo Treze? Por que houve essa mudança da utilização do concreto, seguindo as ideias do modernismo brasileiro, para o aço neste projeto?


TOSCANO - A forma foi consequência de uma série de elementos que fui descobrindo naquele local, do que podia fazer com aquele material e de que partido iria tomar.


Eu necessitava de uma faixa de vinte e cinco metros para projetar, relativos ao comprimento do trem. Os empreendedores queriam que a estação ficasse embaixo de uma ponte, na Marginal Pinheiros. Mas o local da estação foi revisto, pois não é possível ter ponte e estação juntos. A estação é importante, é um lugar de referência. Para que isso ocorresse, comecei escolhendo um ponto naquele descampado, que era a margem do rio, que pudesse ser unido ao centro do bairro. Esse eixo determinou a posição da estação. Estando no Largo Treze, é possível ver a estação na posição que está a torre. Logo, a torre se torna a referência visual daquele espaço. A recuperação da torre é produto de um estudo meu de o que é uma estação.


O terreno escolhido e, por consequência, a estação ficaram em uma curva. Já a solução para estrutura tinha que ser a utilização de pórticos, pois não é possível colocar pilar em cima do trilho. A partir destes dois fatores, começou a criação da forma: inventei aquela curva nos pilares dos pórticos. Um jogo de curva sobre curva. Um amigo falou que, quando chegamos, parece que a estação está fechada, mas ao percorrer o espaço ela vai se abrindo. Se os pilares fossem retos, não haveria essa sensação.


Quanto à utilização do aço, foi um pedido do cliente e não uma escolha minha. Foi um desafio, porque eu não tinha  trabalhado com aço até então. Francamente, eu nem sabia se era possível fazer uma construção em aço no Brasil. A FEPASA me contratou e, graças a um acordo com a COSIPA [Companhia Siderúrgica Paulista], foi necessário utilizar um tipo de aço chamado Cosacor, que parece enferrujado. Usei o aço como ele deve ser usado: não utilizei estrutura em duplo T ou em L. Fiz algo específico para o lugar, com os pilares com curvas.


ENTRE - Qual é a parcela de participação política que o arquiteto deveria ter na comunidade ou na sociedade para ter maior influência nas decisões sobre a cidade?


TOSCANO - Hoje, alguns arquitetos tem trabalhado dentro do governo, junto às prefeituras e ao estado. Eles tem ideiase compreensão da situação, mas não tem força alguma. Logo, depende-se da visão do político. Aqui em São Paulo, por exemplo, não fizeram um concurso internacional para o projeto da companhia de dança, porque faltava tempo com a proximidade da eleição. Os políticos, erroneamente, atrelam mudanças importantes no espaço urbano com as eleições.


O governo do estado contratou aqueles suíços [Herzog e de Meuron] para fazerem nosso espaço de dança. O IAB-SP foi conversar com o Secretário de Cultura, João Sayad, para saber por que foi feito um contrato sem concorrência. Afinal, com os arquitetos daqui é tudo por concorrência de preço. Nós não somos contra os estrangeiros, eles só deveriam entrar no concurso e ganhá-lo. Isso tudo gerou uma briga judicial entre o governo e o IAB.


ENTRE - Qual é o processo que o senhor considera mais justo para escolha de arquitetos para algum projeto?


ENTRE - A escolha é justa quando há uma concorrência por técnica e preço. Eu ganhei algumas concorrências feitas desta maneira. Na técnica, avalia-se a solução que você vai dar às questões criadas no regulamento. É uma espécie de estudo preliminar do projeto. Quanto ao preço, se avalia pela proposta mais barata. O peso no julgamento é o seguinte: a técnica vale peso 7 e o preço vale peso 3. Essa fórmula faz com que, mesmo que dê preço alto, você possa ganhar a concorrência caso tenha uma boa avaliação técnica, um projeto reconhecidamente bom.


Hoje, a maioria dos projetos ocorre por concorrência só de preço. Alguns colegas dão 50% do preço abaixo do valor estipulado pelo governo. Eu nem entro, porque tenho uma boa equipe, formada por gente de dentro e de fora do meu escritório, que não pode fazer tal projeto por tanto a menos. Eu não tenho coragem de trabalhar com qualquer profissional  para ter problemas depois.


Outro jeito de contratar é por notória especialização. Mas é complicado definir quem tem notória especialização. Talvez o [Oscar] Niemeyer, mas é um julgamento muito subjetivo. Pode ser também por concurso. Mas o problema de concursos é que os júris precisam ter muito bom senso. Eu fui do júri do projeto da Sede do Grupo Corpo, em Belo Horizonte, e foi desgastante, pois não chegávamos a um acordo.


ENTRE - O que o professor João Walter Toscano diria hoje para o seu aluno de arquitetura?


TOSCANO - Vocês, jovens, tem muito apoio. Temos uma tradição arquitetônica importante. Estamos em um país com um desenvolvimento tecnológico considerável. A situação, do ponto de vista de recursos, é boa também. O grande problema é a maneira como o serviço é distribuído, porque as escolas de arquitetura despejam no mercado pelo menos 1000 arquitetos por ano. Hoje, existem muito arquitetos, mas só tem se sobressaído os jovens que se arriscam e ganham concursos. Um exemplo são estes bons jovens arquitetos que estão no livro Coletivo


ENTRE - O que é beleza na arquitetura para o senhor?


TOSCANO - A beleza pode estar em todo o lugar. Eu acho que a beleza pode estar ligada a uma série de coisas. A beleza na arquitetura é quando ela te emociona. É aquele espaço que te emociona. Às vezes, um canto já te emociona.


ENTRE - O que emociona o senhor na arquitetura hoje?


TOSCANO - Pergunta difícil. Os arquitetos que fazem boas obras emocionam. Le Corbusier dizia que o muro que emociona é arquitetura.


ENTRE - O que é arquitetura?


TOSCANO - Arquitetura é a arte de construir o espaço, considerando os fatores que eu falei durante esta entrevista.


Mas há algo mais: a arquitetura depende de invenção. O que se aprende já foi feito. É necessário procurar saber e entender como foram criadas as coisas. Você precisa ter uma base que te leve a dar o passo seguinte, sair daquilo que é comum, inventar outra coisa.


Entrevista realizada por Francesco Perrotta Bosch, Gabriel Kozlowski Maia, Mariana Meneguetti e Valmir Azevedo

*  Nota inserida por Corinto Luis Ribeiro: O mestre de obras citado era Corintho Luiz “Lulu” d’Onofrio, meu avô. Na verdade, o que o próprio arquiteto me contou foi que meu avô lhe teria dito que não saberia qual seria o partido de uma faculdade, sendo que partido no jargão dos arquitetos é o conjunto de princípios que determinam as atividades e sua distribuição espacial para fins de elaboração do projeto. 



Outras obras do arquiteto em Itu:








quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A História do Filé a Parmegiana, Conforme Me Foi Contado por Dona Otília Steiner Em Uma Modorrenta Tarde Em Itu



Certa vez, na casa de minha mãe, ela recebeu diversas amigas para um chá e uma delas era a Dona Otília, filha do Max Steiner, que fundou a Padaria Ituana, germen do Bar do Alemão.

Como eu frequentava o Bar do Alemão desde criança, com certeza nos Domingos de Páscoa, quando, depois do Estouro do Judas meu avô nos levava para, saindo da dieta de peixes, pudessemos encarar o Filé a Parmegiana, minha lembrança era que seriam dois bifes à milanesa, com mussarela entre êles e no topo, polvilhado por longos fios de queijo parmesão, em um denso molho de tomate. Atualmente é apenas um bife, sem o entremeio.

Infelizmente, essa questão específica ela não conseguiu esclarecer, porém contou como se originou o prato, que não faz parte da cozinha italiana, lá o prato é "melanzane alla parmigiana", feito com beringelas e não carne.

Ela contou que, finda a Segunda Guerra, vários oficiais retornaram da Itália e foram designados para o Quartel de Itu. Frequentavam o restaurante, cujo acesso se dava por uma porta ao fundo do salão da padaria, dotada de uma porta encimada pela cabalística forma "RESERVADO". A pièce de resistance era o filé da casa, alto, grelhado, com queijo ao meio, servido em molho (que eu imagino como uma variação de um Fillet au Cordon Bleu). Certa noite, um dos oficiais perguntou se poderia ser servido um "filé à parmegiana" e o descreveu: à milanesa, coberto de mussarela, com molho de tomate e queijo parmesão. O sr. Max Steiner tentou montar o prato com os ingredientes que já tinha pornto: o filé foi feito à milanesa, utilizou-se o molho ao sugo para macarrão, cobriu-se com mussarela e pouvilhou-se parmesão. A terrina foi levada ao forno rapidamente para fundir-se os queijos e foi servido. E assim nascera a lenda: o filé à parmegiana do Alemão.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

1969:Minha chegada a Itu

O carnaval de 1969 fora passado no sítio de meus tios na estrada de 7 Quedas,chegando a São Paulo onde tinha nascido em 1952 na Rua Oscar Freire,local nobre à época para morar e brincar nas ruas de carrinho de rolemã e jogar bolinha de gude, tive a resposta que não havia vaga em escola estadual para o colegial, tinha terminado o ginásio no Colégio Paes Leme em sua última turma na avenida Paulista esquina com rua Augusta. De pronto arrumei as malas e voltei sózinho a Itu hospedando-me na casa de uma tia e primas no largo do quartel e de imediato procurei o Regente Feijó onde fui aceito como aluno, as aulas já tinham iniciado.Acompanhado pela secretária do Instituto fui conduzido ao 1º colegial masculino e ao adentrar a sala e ser apresentado, abri um sorriso e um colega logo gritou:"Mas que rapaz simpático"!Era o colega Carramenha e durante toda minha vida escolar em Itu fui chamado de SIMPÁTICO.A novidade de um rapaz récem chegado da capital logo se espalhou e os convites para festas não faltaram, aniversários de 15 anos da Regina Dulce na rua dos "ricos", da Nairzinha Leitão na rua Presidente Kenedy e da Lucinha Feriozi no sobradão da rua Floriano Peixoto,momentos inesquecíveis, dançar a valsa com 15 casais a volta da debutante!O resto das memórias são as mesmas que todos que viveram essa época,cinema aos domingos no Marrocos,sempre no mesmo lugar com os camaradas Dito Marangoni e Edmar Romanatto, às vezes no Cine Boni,pizzas no Bellucci,bailes do Ituano Clube,ficando a decepção de nunca ter ido ao Baile do Chopp,proibido para menores de 18 anos, quando os completei tinha acabado o dito baile!E não poderia esquecer, "a 1ª noite de um homem" passada na zona de Viracopos e as "lembranças tristes de uma noite alegre" ou seja passagem pela Farmácia do Seu Amélio comprar antibiótico por motivos óbvios!Acredito que seja um mote para futuras recordações e registro de um passado recente.

sábado, 14 de novembro de 2009

Sobre a comunidade israelita em Itu

Havia uma pequena, mas ativa comunidade israelita em Itu: comerciantes, profissionais liberais. Mas não havia um local público de culto.
Um colega nosso, o hoje Secretário Municipal de Esportes de São Paulo, Dr. Walter Feldman, nos conta como era a educação religiosa e étnica dessa comunidade em um artigo de seu blog que nos autorizou a reproduzir:



Memórias de Itu e de Paulo Feldman

Na semana passada citei aqui uma frase tocante da bailarina Márika Gidali, fundadora do Ballet Stagium. Húngara de nascimento, Márika chegou em São Paulo em 1947, fugida dos horrores da Guerra. Num depoimento em nossa reunião das sete, ela disse que a primeira impressão que teve desta cidade é que ela era como um abraço.

Não foi só ela. Em diferentes épocas, milhares de pessoas aqui chegaram para viver um mesmo sentimento de esperança e recomeço.

Meu pai, Paulo Feldman, foi uma delas.

Ele chegou em 1936, um pouco antes dos desatinos da Guerra e da fase mais sanguinária do nazismo.

Foi, também, um batalhador, dessas pessoas que do quase nada são capazes de reconstruir toda uma vida.

A partir de 1956 fomos morar em Itu, minha cidade de infância, da qual guardo a melhor memória do tempo em ali vivi, entre 1957 e 1967. Bem, nem tudo foi perfeito. Eu era muito bom na escola, mas na verdade eu queria brilhar mesmo era nos infantis do Itu, onde fui um ponta-direita bastante dedicado. Não deu. No basquete também não fui longe, não estava, digamos, à altura.

Volto ao meu pai, um exemplo de autodidata tenaz e generoso.

Paulo Feldman chegou da Polônia com 23 anos e extremo fervor se dedicou a entender melhor a língua e alma da terra. Ele falava russo, polonês, hebraico. Fundou aqui um inquieto Movimento Juvenil Hebraico.

Em Itu, depois de semana inteira de viagens a negócios pelo interior, achava tempo para ensinar a Torá e xadrez para crianças da pequena comunidade judaica local. Foi, em xadrez, o que eu sonhei ser em futebol, um campeão imbatível.

Em suas aulas informais, discutia as grandes datas da religião judaica a partir do seu sentido essencial de perdão, solidariedade e esperança. Ele conhecia o valor da esperança em tempos difíceis.

Há pessoas cuja luz e simplicidade a gente leva vida afora como uma provisão para as novas batalhas.

Meu pai foi uma dessas pessoas.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

O Incêndio da Casa Longhi



A Casa Longhi era uma loja de modas (como era classificada na época), onde se vendiam trajes masculinos e femininos para diversas ocasiões, além de sapatos, cintos, meias, lenços, chapéus, enfim, tudo que seria necessário para se trajar adequadamente.


Não me lembro exatamente a data, mas era um domingo já nos meses finais do ano de 1971, por volta das 11h00, a Banda Sinfônica da Volkswagen dava um concerto no coreto da Praça da Matriz quando irrompe o fogo no prédio, um sobradão altivo, em cuja fachada flutuava uma marquise art decô de ferro e vidro jateado, sem conexão com as linhas sóbrias da construção típica do século XIX.




A população, extasiada, se dividia entre as duas atrações: o fogaréu e a música. Enquanto se aguardava a chegada dos bombeiros de Sorocaba, pois não havia destacamento em Itu, um grupo de voluntários intrépidos seguem pela Rua 7 de Setembro e alcançam o Salão de Snooker que havia e descem com as pesadas mesas, outro grupo adentra na pastelaria de um chinês que havia no térreo naquela fachada, e retira todas as máquinas e equipamentos, mas de forma desastrosa, arrebentando-as todas e aumentando o prejuízo do empreendedor oriental, que aos gritos, tentava detê-los.




Quando o fogo já estava alto e praticamente incontrolável, a Banda Sinfônica ataca a Cavalaria Rusticana de Leoncavallo e neste momento, entre a alameda de palmeiras imperiais surge o primeiro carro do comboio de bombeiros, num sincronismo digno de filme americano.




Mas era tarde, a estrutura de alvenaria, adobe e pau a pique não suportou o calor e desabou.




Foi desta forma espetacular e até festiva que Itu perdeu mais um de seus tesouros arquitetonicos.