sábado, 28 de abril de 2012

O "Regente" e eu - Depoimento por ocasião dos seus 80 anos

Eram outros tempos. Pacatos, modorrentos. Com exceção da Rua Floriano Peixoto e Rua Paula Souza, esta no trecho entre a Praça da Matriz e o Largo do Bom Jesus, todas as ruas tinham mão dupla, com estacionamento liberado. Carroças entregavam leite e pão pela manhã na porta das casas e aos domingos após a missa, o burburinho das compras no mercado e depois do almoço, toda a cidade se recolhia para uma soneca e não havia ninguém nas ruas até por volta das 3 horas da tarde, quando a Associação Atlética abria e as piscinas eram frequentadas.
Havia em Itu dois grupos primários públicos: o “Cesário Mota” e o “Convenção”. Mas nós não os frequentávamos: éramos alunos do Curso Primário Anexo ao Instituto de Educação “Regente Feijó”. Com orgulho e pompa, usávamos o uniforme de camisa branca e calções azuis marinha, com as letras RF bordadas no bolso e embaixo delas tantos pontos quanto fosse o ano em que estávamos.
Chegávamos a pé, sós, entrávamos pelos portões abertos, sem qualquer controle (não era necessário) e nos concentrávamos no adro entre as classes, que na frente tinham uma galeria que se interligava com um arco coberto que também levava aos banheiros. Enquanto esperávamos, conversávamos sobre o dia anterior, os seriados na televisão, cuja programação começava com o Pim Pam Pum às 17 horas e era complementado por filmes de caubóis e heróis mascarados. Tocava o sinal, a professora se postava na porta e uma fila dupla em cada classe era formada, em ordem pré-estabelecida para se ocupar as carteiras sem confusão.
Eram apenas algumas classes comuns e uma “classe rural” que reunia alunos dos três primeiros anos, geralmente repetentes. A razão de suas existências era ser laboratório prático para os alunos do Curso Normal, a principal razão de ser do Instituto.
As meninas, no intervalo, ficavam apartadas - Walkiria, Leila, Eliana, Ana Maria, Carmem Lucia, Renata Del Campo, Maria Lucia e os meninos refunidos em "tropas" corriam de uma lado para outro, sob o comando do "Gordo" ou do Walter (Feldman).
Existiam ritos de passagem dos quais nos orgulhávamos: a entrega do primeiro livro, quando no Salão Nobre, diante de nossas famílias e colegas éramos chamados a subir e se aproximar de uma mesa onde os livros estavam com uma vela apagada, então o livro era entregue pomposamente pela professora e acendíamos a vela em outra que estava sobre a mesa, “nos tirando das trevas da ignorância”.
Havia uma prova de caligrafia, feita com penas de aço que se mergulhavam em tinteiros, se aprovados, havia uma cerimônia de entrega da “primeira caneta” que guardo até hoje: uma Johann Faber Estudante Verde pena média, tão usada que meu nome, gravada pelo joalheiro Machadinho gastou.
O jogo de futebol de salão entre o 3º e o 4º ano, geralmente ganho pelo 4º, mas na nossa turma, com Décinho (Salvadori) Cícero (Gatti Marinho), Gustavo (Sproesser), Hamilton (luiz Guido) e outros foi uma lavada contra o 4º ano, fato que se repetiu no ano seguinte, mas contra o 3º ano!
Todo dia as aulas começavam com teste oral da matéria dada no dia anterior (ponto), aos sábados, sabatinas, no final do mês, provas e no final do ano, exame final, escrito e oral, este último com o “ponto” sorteado pelo Diretor ou pelo Inspetor de Ensino de um jarro, onde repousavam papelotes dobrados. Não importava as notas anteriores, essa última nota é que valia para passar de ano.
Passado os quatro anos, recebíamos um Diploma, dos dois possíveis que eram na época: além dele, o profissional, dado a um Mestre de Ofícios, Professor ou Profissional Liberal. E tínhamos mais uma etapa pela frente: o Exame de Admissão. Era o caminho para acesso ao Ginásio, curso com mais quatro anos e que visava formar o aluno para desenvolver uma atividade laborativa na indústria, no comércio, nos serviços. O regime de aulas era diferente, não apenas um professor, mas um professor por matéria e não havia “recreio”, mas intervalos de 10 minutos entre as aulas. Nestes intervalos, construíamos nossas redes sociais, combinando as idas a cinemas, jogos de futebol, passeios de bicicleta; às vezes, já que os portões eram abertos, matávamos uma ou outra aula para ir à Praça da Matriz, comprar uma revista em quadrinhos e ler. Mas havia a obrigação de voltar para a última aula, senão não se pegava a “caderneta”, onde era carimbada a presença diária e ficava retida com os inspetores de alunos. Nas “cadernetas” também eram registradas as notas, as suspensões, as advertências, que deveriam voltar com a assinatura de um dos pais. Durante o ginásio, a grande novidade: a construção de um anexo e de uma nova quadra de esportes. No intervalo sempre havia uma novidade: escavação das fundações, o funcionamento da betoneira, tudo muito diferente dos métodos de construção do resto da cidade. Nosso uniforme era caqui, a maioria ficava com ar de bonecos de doce de leite.
A formatura foi a primeira solenidade maior de nossa vida: missa solene para os católicos, ternos e vestidos formais, um calor senegalês no Salão Nobre, mas todas as famílias lá, orgulhosos, e depois, no fim de semana, um baile no Ituano Club.
Entretanto, nem tudo era pacífico: vivíamos em uma ditadura militar e a partir daquele ano (1968) a repressão recrudesceu. Havia movimentação de militares em todas as cidades, e Itu, sendo sede de um regimento, não foi exceção. Os cursos colegiais, que até então eram divididos em Científico, Clássico e Normal passou a ter dois anos básicos e um ano específico – no caso do Normal, dois. A qualidade do ensino baixou significamente, não conseguimos completar as matérias necessárias para o vestibular e tivemos que recorrer aos cursinhos depois de formados. No segundo semestre do último ano do Colegial me transferi para o noturno com alguns colegas para poder fazer o curso preparatório em Campinas, e aí começou o afastamento dos colegas. Depois, um ano de cursinho em São Paulo, a faculdade em Santos, o trabalho e agora, graças à Internet, o esforço de colegas como Benedito Edson Marangoni, Márcia Bérgamo da Silva e outros, que atenderam o apelo do Eduardo de Arruda Passos que vinha de Portugal e queria rever os colegas, nos reencontramos.
Mas uma coisa é certa: o Instituto de Educação “Regente Feijó” foi e sempre será a mãe nutridora que permitiu meu desenvolvimento cultural, social e moral e jamais me esquecerei disto.

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